Quando fui acometido de depressão há mais ou menos 20 anos atrás, e um ansiolítico reestabeleceu meu equilíbrio orgânico, fiquei a pensar em como os renascentistas ou gregos resolveriam isto, se não tinham ainda a sertralina ou a imipramina, nem cloridrato algum… Ficava pensando no quando deveriam sofrer e eu mesmo sofri por eles ao pensar nisso… Sofri por Sócrates e a sicuta, por Galileu e sua luneta, até por Dom Quixote…
Mas então Jean-Yves Leloup me fez crer em algo: que os sofrimentos psíquicos modernos nasceram quase todos juntos com a mesma modernidade… e hoje acredito nisto inteiramente.
A vida cotidiana no mundo interligado nos fez acreditar que a razão deveria explicar a tudo. O transcendente, o espiritual, seria apenas acessório de um ser humano capaz de, com paradigmas matemáticos e precisos, dominar a máquina do mundo e de sua própria natureza. Mas não é assim que acontece de madrugada, após o dia “útil”, no recolhimento solitário.
Ao primeiro acontecimento extra-capital (um falecimento em família, um exaurir de forças frente a rotina extressante, uma intriga entre amigas por um motivo de amigas) somos, então, confinados em sentimentos que nos obrigamos a espremer para dentro do ser, já que o normal é o “equilíbrio”. Temos de trabalhar, receber clientes, jantar com a família do companheiro(a), ficar na fila do mercado, e por aí vai…
Estes sofrimentos são então empurrados escada abaixo para os porões da consciência; Ah! Mas ganham autonomia daqui a pouco, retornam como monstros pelas mesmas escadas e ficam a esmurrar violentamente a porta. Como temos a máscara da normalidade e o racionalismo como visitas constante na sala da consciência, nossa preocupação com a portinhola deste porão trás por resultado depressão e pânico.
Apesar do uso populesco do termo “inconsciente”, há uma distância do seus significados leigo e psicanalítico (tecnico).
Um complexo inconsciente, moldado a partir da repressão numa operação do tipo o que eu quero x o que eu devo, pode agir autônomo como um verdadeiro “ente” e, em situações específicas, detonar os sintomas psíquicos de patologia, como o pânico. Quando ocorre a situação extrema( a mangueira já estourou…), o antidepressivo é quase inevitável, mas se não verificarmos onde está o prego que furou a mangueira, tudo certamente voltará como este mesmo sintoma, ou ficará guardado, vazando por outras áreas da vida.
O racionalismo do dia-a-dia não é capaz de cobrir todo o espectro das emoções. Se não nos dedicarmos a admitir o que sentimos e achamos, contrariando o que nos “é deixado” sentir e achar, iremos criar esses monstros turvos em nossa alma, de nossa inteira prole e responsabilidade.
Espiritualistas ou não, importante considerar que a porta para o desencadeamento de tudo isto está em nossas escolhas, em encarar ou esconder, entre a mentira e a verdade, dentro de nós mesmo.
Rogério Temporim
Psicanalista e Esotérico